Conchinha
Enquanto os pés sentiam a areia quente passar pelo meio dos dedos, a espinha contorcía-se involuntariamente sempre que caía aquele corpo moreno no seu campo de visão... o sal a queimar e o sol a mostrar um a um cada pêlo do seu peito. Quando os lençois estavam em guerra com o sol era aquela visão o argumento perfeito, absolutamente e deliciosamente perfeito, que ditava o destino do dia, deixando abandonados os lençois amarrotados e lá ía ela feliz para a praia... Nunca quiz nada além daquela saborosa contemplação. Não chegava nem perto de amor platónico, era só bom olhar, lamber o sal, apertar os músculos, deitar uma barriga sobre a outra ou deixar a barba dele arranhar-lhe as costas e gemer baixinho, sem que os engenheiros, que à sua frente erguiam um fabuloso castelo, se apercebessem da luxúria dos seus sonhos. Sentia que a indiferença do seu olhar estava em mutação e a cada novo encontro apareciam curiosos os pensamentos dele a espreitar pela menina dos olhos julgando-se ocultos na sombra negra em que viviam. Ela corava... dáva-lhe meio sorriso e baixava os olhos e ficava a rir-se para aquela conchinha que tinha apanhado no fundo do mar com a qual as mãos brincavam distraidamente. Perguntou-lhe se ele ainda a olhava e quando a conchinha corou ela percebeu que ele se agachava atrás de si... "deixaste cair isto... podia perder-se na areia..." e naquele preciso momento o vento enlouqueceu e um furacão levou-os na palma da mão, muito apertados um contra o outro, até uma outra praia, deserta e quente. A conchinha tinha ido de boleia bem guardada dentro da mão dela bem guardada dentro da mão dele e estava muito feliz. Sempre gostara de viajar. Sempre gostara de ser apanhada, namorada, só não gostava de ser levada para casa e esquecida... anos e anos sem ser olhada, tocada, sem o cheiro das algas e sem poder brincar com as ondas e os raios de Sol. Ele não sabia que ela guardava dentro da mão aquela conchinha mágica que tinha atirado ao mar nessa manhã depois duma longa conversa com os seus dedos...
3 Comments:
Muito bem escrito. É por estes textos que te digo deves escrever sempre. Pode até ser algo que te aconteceu, mas tem aquela beleza infantil do teu olhar.
não percebes nada... não me aconteceu nada parecido! bem... claro que já lambi mt sal por essas praias fora! hihihi! beijinhos e obrigada! (lembras-te da toalha vermelha?)
Na tua imaginação eras a concha. Eu sei.
Enviar um comentário
<< Home